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O Riso como Força Quântica: as lições de Demócrito de Abdera para o século XXI

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    gleniosabbad
  • 9 de nov.
  • 4 min de leitura

“Toda terra está aberta ao sábio, porque a pátria de uma alma virtuosa é o Universo inteiro.”

Demócrito, apud Carlo Rovelli, A realidade não é o que parece, p. 41 n. 27


Por Glênio S Guedes ( advogado )

Dedicado à Turma de Direito da Gama Filho


1. O átomo e o riso

Carlo Rovelli inicia A realidade não é o que parece com uma provocação que ainda ressoa entre físicos e filósofos:

E se os livros de Demócrito não tivessem se perdido?

A hipótese parece simples, mas contém um abalo civilizacional. Se os setenta tratados do sábio de Abdera tivessem sobrevivido, talvez o Ocidente tivesse seguido outro rumo — menos trágico, mais jubilante; menos teológico, mais relacional.

Demócrito foi o primeiro a imaginar o universo feito de átomos e vazio, de movimento e ressonância. Mas foi também o primeiro a rir diante dessa revelação. Seu riso não era ironia: era concordância cósmica. Ria porque compreendia; ria porque o real, mesmo impermanente, é belo.

O átomo, para ele, não era o limite da matéria, mas a unidade mínima da alegria: o ponto em que o ser vibra.


2. Do átomo ao quântum


A física moderna, com seus elétrons incertos e fótons emaranhados, reencontra Demócrito. O vazio já não é ausência, mas campo de possibilidades; o átomo já não é partícula imóvel, mas nuvem de relações. Tudo existe em função do que toca.

O filósofo grego, sem instrumentos, havia intuído o que Rovelli confirmaria: a realidade é rede, não substância. O riso, nesse contexto, é o gesto humano que aceita o inacabado. Rir é acolher a indeterminação do mundo — é a ética do princípio da incerteza.


3. A alegria como sabedoria física


Jean Salem descreve a euthymía de Demócrito — a serenidade alegre da alma — como um estado de equilíbrio dos átomos interiores. A alma, composta de partículas de fogo, atinge paz quando esses átomos vibram em harmonia. Alegria, portanto, não é emoção passageira: é física da alma, equilíbrio energético.

A euthymía seria o equivalente antigo da homeostase quântica: estabilidade que se move, movimento que se estabiliza. Rir, assim, é sintonizar-se com a frequência do universo.


4. A parábola de Hipócrates e o sábio que ria


Jean Salem lembra um episódio lendário, narrado desde a Antiguidade: os habitantes de Abdera, alarmados pelo comportamento de Demócrito, acreditaram que ele havia enlouquecido. Ria de tudo, de todos, e dizia que a vida humana não passava de um jogo de átomos. Chamaram então o médico Hipócrates para examiná-lo.

Hipócrates chegou disposto a curar um insensato — e encontrou um sábio. Demócrito explicava-lhe, com serenidade luminosa, que as paixões humanas são doenças da alma: a ambição, o medo, a superstição, a cobiça. O verdadeiro equilíbrio, dizia, está em compreender o movimento das coisas e aceitar o limite.

Quando o médico terminou a visita, percebeu que era ele o paciente. O doente era a cidade; o curador, o risonho filósofo.

“Hipócrates, vencido pela lucidez, tornou-se o paciente de seu próprio paciente”, escreve Salem.

Essa história, real ou simbólica, sintetiza o sentido do riso democriteano: o riso cura, porque nasce do conhecimento. Rir é o gesto terapêutico do cosmos dentro de nós. É a medicina quântica da alma.


5. Heráclito chorava, Demócrito ria


A tradição opôs dois polos do pensamento grego. Heráclito, o obscuro de Éfeso, via o mundo como fogo e conflito: pólemos pantôn patér, “a guerra é o pai de todas as coisas”. Seu logos é trágico, seu saber é dor. Demócrito, ao contrário, viu no mesmo fluxo uma música — não o choque dos contrários, mas a harmonia do movimento. Heráclito contemplou o devir e chorou; Demócrito compreendeu o devir e riu.

Entre ambos, o Ocidente hesitou: fez da consciência uma doença e do saber uma penitência. Talvez por isso, vinte séculos depois, ainda precisemos reaprender o riso.


6. O riso como força quântica


Na mecânica quântica, tudo vibra: partículas são ondas; o observador altera o observado.A realidade nasce do encontro. O riso repete esse gesto: é um colapso de energia, um salto de fase entre o caos e o sentido.

Quando rimos, algo se reorganiza — nas células, nos pensamentos, nos vínculos. O riso é entropia criadora, ponte entre física e ética. É a forma humana de imitar o comportamento do universo: expandir-se em vibração e retornar em ordem.

Demócrito não conhecia Schrödinger, mas intuiu que alegrar-se é vibrar em sintonia com o real. O riso é, literalmente, uma força quântica: muda o estado do sistema.


7. As lições de Demócrito para o século XXI


O século XXI precisa do riso de Abdera. Não o riso cínico das telas, mas o riso sereno de quem entende o cosmos. Num tempo que idolatra a gravidade, Demócrito ensina leveza. Num mundo que teme o vazio, ele mostra que o vazio é fértil. E num planeta saturado de ruído, seu riso ainda soa como música de fundo da física e da alma.

Talvez o futuro da sabedoria não seja um novo sistema filosófico, mas uma vibração: a alegria como campo energético, o riso como força quântica,a serenidade como cura do medo.


Bibliografia


  • Carlo Rovelli. A realidade não é o que parece: a estrutura elementar das coisas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2014.

  • Jean Salem. L’Atomisme antique: Démocrite, Épicure, Lucrèce. Paris: Hachette, 1997.

  • Tito Lucrécio Caro. Sobre a natureza das coisas. Trad.Rodrigo Tadeu Gonçalves. Autêntica, 2021

  • Valtuir Abreu. “Demócrito: o filósofo que ri e a alegria como sabedoria.” Alfarrábio da Sabedoria, 2025.

  • Heráclito. Fragmentos. São Paulo: Abril Cultural, 1973.


 
 
 

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