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INOVAÇÃO DESTRUIDORA E DIREITO: A INSTITUIÇÃO AUSENTE NO PANTEÃO DE ESTOCOLMO

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    gleniosabbad
  • 14 de out.
  • 7 min de leitura

Por Glênio Sabbad Guedes ( advogado )

“Esse processo de ‘destruição criadora’ constitui o dado fundamental do capitalismo: é nele que consiste, em última análise, o capitalismo, e todo empreendimento capitalista deve, queira, quer não, adaptar-se a ele.”
— Joseph A. Schumpeter, citado em FERRY, Luc. A Inovação Destruidora: Ensaio sobre a lógica das sociedades modernas. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015, p. 20.

1. Introdução: o Nobel que consagra a destruição


O Prêmio Nobel de Economia de 2025 consagrou três intelectuais que, cada um a seu modo, revisitaram e atualizaram o pensamento de Joseph Schumpeter — Joel Mokyr, Philippe Aghion e Peter Howitt. O anúncio, feito pela Academia Real Sueca de Ciências, justificou a escolha pelo reconhecimento de pesquisas que explicam “o crescimento econômico impulsionado pela inovação e o impacto das novas tecnologias que substituem as antigas” (O Estado de S.Paulo, 14 out. 2025).

Segundo a reportagem da Folha de S.Paulo (“O que os estudos do Nobel de Economia indicam sobre o Brasil?”, 13 out. 2025), o prêmio reflete um consenso crescente entre os economistas: a inovação é o verdadeiro motor do desenvolvimento econômico, mas precisa de um ambiente institucional estável para florescer. Mokyr destacou o papel da cultura intelectual e do capital humano na Revolução Industrial; Aghion e Howitt, por sua vez, formalizaram em modelos matemáticos o processo de “destruição criadora” que Schumpeter havia identificado como essência do capitalismo moderno.

Entretanto, como observa o filósofo Luc Ferry, talvez fosse mais preciso inverter a expressão e falar em “inovação destruidora”. Para Ferry (2015, p. 35), essa alteração não é apenas semântica: ela amplia o alcance do conceito schumpeteriano, mostrando que o fenômeno de ruptura permanente não se restringe à economia, mas se estende a “todos os campos da existência humana” (p. 12), dissolvendo tradições, valores e o próprio sentido de estabilidade.

A celebração dessa força inovadora em Estocolmo expõe, contudo, uma lacuna simbólica: a ausência de um “Nobel de Direito” — não como reivindicação literal (vedada pelo testamento de Alfred Nobel), mas como metáfora da sub-representação do Direito Econômico e Institucional dentro da economia premiada. Falta reconhecer que a inovação só é socialmente viável quando repousa sobre uma infraestrutura jurídica previsível e confiável.


2. O paradoxo da inovação sem instituições: o risco do nonsense


Luc Ferry descreve a “inovação destruidora” como uma “lógica anônima, mecânica, automática e cega” (2015, p. 29), desprovida de sentido. Para as empresas, inovar não é um projeto civilizatório, mas um “imperativo vital” (p. 30): inovar ou morrer. Essa lógica, convertida em paradigma universal, corre o risco de transformar o progresso em angústia, e o futuro em mera sobrevivência.

É nesse ponto que a Nova Economia Institucional fornece o quadro teórico necessário para recompor o sentido do processo inovador. Douglass North, Daron Acemoglu e James Robinson demonstraram, em diferentes obras, que o crescimento sustentável depende da existência de instituições inclusivas — ou seja, marcos regulatórios que assegurem direitos de propriedade, estabilidade normativa e confiança nas regras do jogo. Onde o Direito é incerto, a inovação se retrai; onde o Estado de Direito é fraco, a destruição supera a criação.

Como destacou o artigo editorial de O Estado de S.Paulo (“O Nobel de Economia e nós”, 14 out. 2025), “não há inovação que prospere em terreno institucional instável”. O texto ressalta que, sem segurança jurídica, o investimento produtivo cede lugar à especulação, e a criatividade se converte em risco. A lição é clara: a liberdade de inovar depende da previsibilidade do Direito.

A mesma advertência está implícita na reflexão de Ferry: “Como retomar o controle sobre o desenvolvimento de um mundo que nos escapa? E para fazer o quê, para criar que projeto, que grande desígnio?” (FERRY, 2015, p. 34). Essas perguntas — aparentemente filosóficas — são, na verdade, institucionais. O Direito é o instrumento que permite traduzir o avanço técnico em ordem social compreensível, restituindo à inovação um significado normativo e ético.


3. O caso brasileiro: um sistema de inovação incompleto


O Brasil exemplifica o que acontece quando o motor capitalista funciona com um chassi institucional frágil. Há ilhas de excelência — como a Embrapa, que alia pesquisa científica à produtividade —, mas também vazios regulatórios e burocráticos que comprometem o ambiente de inovação.

O Valor Econômico (14 out. 2025, Lucianne Carneiro) noticiou que, ao comentar o Nobel, o economista Aloísio Araújo, da FGV EPGE, alertou:

“O crescimento econômico é muito beneficiado pela criação destrutiva, mas a sociedade precisa encontrar mecanismos de compensação para não criar barreiras à inovação.”

Na mesma reportagem, Graziella Zucoloto, pesquisadora do Ipea, acrescentou que “a inovação deve vir acompanhada de equilíbrio regulatório — é preciso intervir para que o desenvolvimento econômico seja o mais inclusivo possível”. Ambas as observações apontam para a dimensão jurídica da inovação: o Direito é o mecanismo de compensação, mediação e correção das assimetrias geradas pela destruição criadora.

Essa leitura é reforçada pelos dados empíricos. O Global Innovation Index (GII) 2024, da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI/WIPO), colocou o Brasil na 50ª posição geral, mas apenas na 103ª colocação no pilar “Instituições”, que mede qualidade regulatória, Estado de Direito e estabilidade política. O contraste é revelador: o país inova, mas o faz em terreno normativo inseguro.

O caso do INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) é emblemático. Por décadas, o órgão foi sinônimo de morosidade e imprevisibilidade. Havia pedidos de patente que aguardavam mais de sete anos por decisão. Recentemente, porém, o INPI reduziu o tempo médio de exame para 4,6 anos em 2023, e o backlog de mais de 15 mil pedidos em 2022 caiu para cerca de 1.000 em 2025.Esses avanços, noticiados em diversos veículos econômicos, representam um sinal de melhora, mas não eliminam o trauma institucional deixado por décadas de lentidão.

A crítica de Ferry ajuda a compreender esse dilema: “A inovação cria inevitavelmente o desemprego, as desigualdades e até mesmo o decrescimento” (2015, p. 22). No Brasil, o Direito tem respondido de modo reativo, regulando o passado e não o futuro. Falta-lhe a função preditiva — a capacidade de antecipar os impactos da inovação e de assegurar transições justas.

A teoria dos sistemas nacionais de inovação, desenvolvida por Christopher Freeman e Bengt-Åke Lundvall, demonstra que a inovação depende da interação coordenada entre governo, empresas e universidades. No caso brasileiro, o elo mais frágil dessa tríade é o sistema jurídico-institucional, ainda incapaz de garantir segurança, confiança e transparência regulatória.

Sem o Direito, a inovação continua sendo um salto no escuro.


4. Por que as instituições são a base de tudo


A ausência de um reconhecimento formal do Direito no universo da inovação reflete um equívoco histórico: o de conceber a justiça como dimensão moral, e não como infraestrutura econômica. Como demonstrou Douglass North (1990), as instituições reduzem custos de transação e incertezas, sendo o principal fator explicativo do desempenho econômico a longo prazo.

Schumpeter já intuía essa dependência. Embora celebrasse o empreendedor como o “pivô sobre o qual tudo gira”, sabia que o capitalismo é um sistema que se autodestrói se não for juridicamente moderado. A inovação, sem freios institucionais, transforma-se em poder concentrado — ou, como diz Ferry, numa “desestruturação permanente do corpo social” (2015, p. 25).

Cada ruptura tecnológica exige, portanto, uma reconstrução jurídica: novas regras de propriedade intelectual, novas formas contratuais, novos parâmetros de responsabilidade e segurança. É isso que o Direito faz — recria o tecido da confiança social que a lógica puramente mercantil consome.

Sob o ponto de vista constitucional, inovar sem segurança é violar o princípio da confiança legítima, núcleo da segurança jurídica e da própria ideia de Estado de Direito. A inovação, para ser socialmente justa, precisa de um Direito que acompanhe o ritmo da mudança sem perder o compromisso com a estabilidade.


5. Conclusão: a inovação que falta


A inovação pode gerar prosperidade, mas também precariedade. A história do capitalismo, como lembra Ferry, trouxe ganhos inéditos em longevidade e bem-estar (2015, p. 21), mas ao custo de uma “insegurança” e “flexibilidade” permanentes (p. 22). A recente revolução digital — da inteligência artificial às fintechs — repete o mesmo dilema: sem instituições sólidas, o novo se converte em desordem.

O Brasil, com seu potencial científico e jurídico, precisa superar a dicotomia entre crescimento e segurança. Como resumiu o Valor Econômico (14 out. 2025):

“É preciso intervir para que o desenvolvimento econômico seja o mais inclusivo possível.”

Essa intervenção — política, jurídica e ética — é o verdadeiro prêmio que ainda falta à humanidade: compreender que a inovação só se torna criadora quando o Direito a torna justa, humana e sustentável.

O “Nobel de Direito” que falta, afinal, não é um troféu sueco, mas o reconhecimento global da centralidade das instituições jurídicas para o progresso econômico e civilizacional.


REFERÊNCIAS


ACEMOGLU, Daron; ROBINSON, James A. Why Nations Fail: The Origins of Power, Prosperity, and Poverty. New York: Crown Business, 2012.

AGHION, Philippe; HOWITT, Peter. The Economics of Growth. Cambridge: MIT Press, 2009.

CARNEIRO, Lucianne. “Nobel premia estudo sobre inovação”. Valor Econômico, Rio de Janeiro, 14 out. 2025.

FERRY, Luc. A Inovação Destruidora: Ensaio sobre a lógica das sociedades modernas. Trad. Vera Lúcia dos Reis. Rio de Janeiro: Objetiva, 2015.

FREEMAN, Christopher. Technology Policy and Economic Performance: Lessons from Japan. London: Pinter, 1987.

GUTIERREZ, Felipe. “O que os estudos do Nobel de Economia indicam sobre o Brasil?”. Folha de S.Paulo, São Paulo, 13 out. 2025.

LUNDVALL, Bengt-Åke. National Systems of Innovation: Toward a Theory of Innovation and Interactive Learning. London: Pinter, 1992.

McCRAW, Thomas K. Prophet of Innovation: Joseph Schumpeter and Creative Destruction. Cambridge: Harvard University Press, 2007.

NORTH, Douglass C. Institutions, Institutional Change and Economic Performance. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.

Notas & informações. “O Nobel de Economia e nós”. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 14 out. 2025.

SCHUMPETER, Joseph A. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961.

SOBEL, Russell S.; CLEMENS, Jason. O Essencial de Joseph Schumpeter. São Paulo: Faro Editorial, 2021.

WIPO. Global Innovation Index 2024: Brazil. Disponível em: https://www.wipo.int/edocs/gii-ranking/2024/br.pdf. Acesso em: 14 out. 2025.

 
 
 

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